Museu Virtual da Válvula Eletrónica

Caixa de texto: coleção particular de João G. F. Porto

      Memórias

Memórias das novas tecnologias dos anos 40

 

do século XX

 

A primeira Emissora de Rádio na Ilha Terceira, Açores
LBS –Local Broadcast Service

A primeira estação emissora de rádio na Ilha Terceira, Açores foi a LBS, acrónimo de Local Broadcast Service e data de fins dos anos quarenta (pós-guerra). Só muitos anos mais tarde haveria a Força Aérea Portuguesa na base das Lajes de emitir com a sua própria estação.


A LBS, sedeada na Base das Lajes numa “barraca” redonda metálica do exército americano, no tempo em que os Americanos haviam acabado de se instalar na ilha Terceira, foi concebida e construída por
João Fernando Goulart Bettencourt Pereira Porto e pelo engenheiro da RCA, Mr. Cavallini. Na altura o exército norte americano contratava directamente os técnicos da RCA e West Company para instalarem os equipamentos comercializados por estas. João Porto haveria mais tarde de pertencer ao Esquadrão de Sistemas de Informação pelo qual passariam muitos informes da Guerra Fria e que serão motivo de outras memórias aqui neste “site”.


Meu pai acabaria por fazer 40 anos de serviço a cargo do Exército e da Marinha dos Estados Unidos da América como atesta o documento assinado por
Donald A. Rigg e aqui reproduzido do Departamento de Defesa dos Estados Unidos da América do Norte.

A “barraca” onde funcionava o emissor de rádio, situava-se na Base das Lajes perto do local onde hoje estão instalados os Correios e o célebre hipermercado americano, conhecido popularmente na ilha Terceira por “Piécse”, e estava dotada de um pequeno recinto com um palco onde havia um piano para transmissões em directo.


Esta primeira estação radiofónica contava com uma emissor de 20 watts cedido pela Marinha Americana e podia ser ouvida em toda a ilha Terceira e ainda na costa norte de São Miguel na banda AM. A banda FM não existia na altura! Para além da divulgação de música gravada em discos muito pesados de vinil compacto e grosso de 37 rotações, tinha o encargo de transmitir as missas dominicais em número de três, a judaica, a cristã e a protestante, num altar que rodava três vezes de acordo com o público religioso.


Para além disso tinha mais duas linhas aéreas directas com um microfone dedicado em cada uma para transmissão de outros eventos tais como jogos de salão e bailes.
Conta quem sabe e o fez, que o cristal deste emissor foi burilado à mão empregando pasta de dentes até ter a espessura necessária para emitir em determinada frequência. Contudo com a dissipação de calor produzido pelo aparelho a frequência tornava-se por vezes errática, acabando por interferir com uma outra de um emissor também americano localizada na cidade da Horta, ilha do Faial e por esse motivo motivando esporadicamente protestos de
natureza “técnica”.

A imagem mostra o rádiotécnico português, João Fernando Goulart Bettencourt Pereira Porto, meu pai, responsável pela operação da estação, e o respectivo emissor de 20 watts em manutenção.

Jornal "A União" nos anos 60.

Resistor pertencente a meu avô e feito pelo próprio, José Pereira Porto, casado com Maria da Ascenção Goulart Bettenourt Pereira Porto,  filha de João Euthymio de Bettencourt , industrial de Laticínios com a primeira fábrina de Queijo de S. Jorge sita em Santo António possuindo máquinas acionadas a vapor.

Este Resistor fazia parte integrante de um receptor de galena, feito pelo próprio, e cujo conjunto estava instalado num móvel de madeira, tipo escrivaninha, na sua residência na Vila das Velas, ilha de S. Jorge, na Quinta da Ladeira, Açores, de onde era natural.

Haveria de transmitir ao filho a “habilidade” e a atracão pela Rádio e eletrónica.

Os avós de João Fernando Goulart Bettencourt Pereira Porto. João Euthymio Bettencourt e Maria Laudelinda (conhecida por avó Linda).

Uma história do U2 nos Açores

 

U2 era um avião espião de voo em grande altitude (mais de 21.000 metros) construído pela CIA e cujo objectivo era desenvolver operações de espionagem sobre o território da então União Soviética para deteção de bases de mísseis com ogivas nucleares, sem ser detetado e abatido.

Lembro-me ainda criança de pela primeira vez ouvir meu pai falar em família acerca deste avião, na perspectiva de desmentir sempre a sua existência lembrando a todos que os soviéticos eram mestres em agitação e propaganda.

Uma das histórias que ouvi, contadas já após a sua aposentação, era passada em meados dos anos sessenta na estação de telecomunicações dos Cinco Picos na ilha Terceira.

A história iniciava-se normalmente após recordações do papel desempenhado pelos Açores durante a Guerra Fria e a Crise dos Mísseis de Cuba. Lembrava-se meu pai de em dada altura (nunca quis precisar essa data), ter recebido periodicamente instruções seladas e codificadas que lhe chegavam dos Estados Unidos da América e cujo objectivo era operar um “aparelho” electrónico que em data certa faziam chegar àquela estação, protegido por um cortejo de carros da polícia militar norte-americana da Base das Lajes e que era depositado cuidadosamente numa sala à qual mais ninguém teria acesso, excepto meu pai.

Assim, após a leitura das instruções recebidas, o procedimento era afastar todas as pessoas do recinto, de modo a não presenciarem a operação do dito “aparelho” resguardado por uma caixa metálica. De seguida e na hora exacta era acionado um botão que punha em funcionamento o “aparelho” que minutos depois fazia um apito rouco, terminando assim em escassos segundos, o que havia começado.

A operação limitava-se a isto e a caixa metálica com o dito “aparelho” regressava, novamente sob proteção de escolta da polícia militar norte-americana, á sua origem (provavelmente regressava de avião aos EUA).

 

Descodificando o evento de acordo com o que ouvi: o “aparelho” era acionado minutos antes da passagem do U2 sobre a ilha Terceira e o objectivo prendia-se com a sincronização do relógio atómico a bordo do avião U2.

É sabido, depois de publicada a Teoria Geral da Relatividade por Albert Einstein, que o espaço-tempo curva-se com as ondas gravitacionais dos astros e que o tempo passa mais devagar numa nave á volta do nosso planeta do que o tempo registado á sua superfície. Hoje é prática corrente o acerto dos GPS pelos satélites artificiais que orbitam a Terra, mas naquele tempo, tudo isto era altamente secreto e apoiava ações de espionagem de grande nível tecnológico, muito antes do experimento oficial de Hafele e Keating durante Outubro de 1971.

 

O mais interessante desta história é sabermos que havia um grande nível de confiança depositada em alguns funcionários portugueses ao serviço dos militares norte-americanos, muito ao contrário do que normalmente se fazia pensar e divulgava. Por outro lado a capacidade técnica existente em território português era muito grande, confirmando o papel de extrema importância que esta região teve e ainda tem nos assuntos de geoestratégia e do espaço.

 

Sputnik e Guerra Fria

 

             A missão Sputnik IV (também conhecida como Korabl-Sputnik-1) foi a quarta missão Sputnik, lançada ao espaço pela União Soviética em 15 de Maio de 1960 do Cosmodromo de Baikonur.

             Transportando uma carga espectacular para a época de 4.540 kg, representava um passo importante dos voos pré-Vostok nos preparativos da URSS para colocar um homem no espaço. A isto adicionava-se o facto da cabine conter um manequim humano em tamanho natural, o que nos fazia sonhar com voos mais altos.
             Só mais tarde em Abril de 1961, Iuri Alieksieievitch Gagarin haveria de ser o primeiro cosmonauta soviético e o primeiro homem a viajar pelo espaço, a bordo da Vostok I.
No entanto uma falha nos rectrofoguetes impediu a reentrada da nave Sputnik IV de forma controlada na atmosfera terrestre.


             Tinha eu na altura cinco anos de idade e lembro-me de meu pai chegar a casa pela noitinha vindo da sua oficina situada na cave da nossa casa no Alto das Covas nº31 (antigo Largo Dr. Oliveira Salazar), muito excitado por ter ouvido a Rádio Moscovo (na altura era absolutamente ilegal sintonizar esta emissora) dando noticia do êxito desta missão.

             Em plena Guerra Fria, a contra informação americana, CIA, Rádio América, BBC, fizeram constar que a bordo seguia um russo que se havia sacrificado pelo comunismo. Ainda hoje recordo-me de ter ficado muito impressionado com este assunto e de pensar quão grande deveria ser a força moral destes cosmonautas.
             Lembro-me também de meu pai acompanhar as missões Sputnik, inclusive as últimas 3 Korabl-Sputnik através de uma grande antena linear instalada no nosso quintal e de um receptor da marinha americana em segunda mão, um daqueles que dotavam os quadrimotores de 2 andares do esquadrão de comunicações a operar na Base
das Lajes.
             Yuri Gagarin haveria um ano depois de colocar em estado de choque os americanos e de demonstrar a falsidade da contra-informação e o avanço tecnológico conseguido pelos soviéticos.
            

             Teria pouco mais de 2 anos de idade quando aconteceu a primeira missão Sputnik (4 de Outubro de 1957). Nos anos subsequentes e com mais idade lembro-me de meu pai comentar muitas vezes este acontecimento. Como alto funcionário civil português ao serviço das forças armadas americanas (Navy) estacionadas na Base das Lajes na ilha Terceira, e responsável da maior confiança pela operação da Estação de Comunicações dos Cinco Picos (cujo acesso era vedado ao público), a sua opinião era aquela veiculada pelos serviços secretos americanos: os comunistas sacrificavam tudo e todos para dominar o mundo e a sua política aero-espacial era apenas mais uma ameaça à segurança mundial.


             Cresci neste “ambiente” da Guerra Fria com a crise dos mísseis em Cuba, a guerra do Vietname, os voos do avião espião U2, a PIDE (polícia política portuguesa) a tentar saber dos voos secretos de meu pai para a Argélia, Washington DC ou até ao NORAD no Colorado.